quarta-feira, 17 de junho de 2009

Decisões difíceis

Hoje tomei a decisão de vender o meu carro. Houve quem me dissesse que eu era mais querida para o carro do que para as pessoas. Mas o carro para mim era como uma pessoa. Também houve quem me dissesse que eu era maluca por ter um carro daqueles. Mas as paixões são assim. Loucas. Andei nove meses à procura daquele modelo. Nove meses a andar a pé porque sabia que valia a pena a espera. Foi um parto difícil. Mas por fim lá aconteceu. Um jipe gigante, do mesmo ano que eu, que se impunha por si só. Aquele carro representava tudo aquilo que eu era. Aventureira, relaxada, preguiçosa (que aquilo só funcionava quando queria), divertida. Era uma extensão de mim mesma. Às vezes desapontava-me e fazia birras. Mas as pessoas também são assim e eu sabia com que contava. Sabia que andava 50 quilómetros naquilo mas que se calhar voltaria de comboio. Os senhores dos reboques tratavam-me pelo nome, e pelas minhas mãos passaram os problemas mecânicos mais absurdos, como a vez em que fiquei com a manete inteira das mudanças na mão. Lavei-o à mangueirada várias vezes. Por dentro e por fora. Choveu no interior. Choveu em cima de mim até, numa daquelas chuvadas repentinas a meio de Agosto em que eu andava com o jipe descapotável. Levou-me para cima da areia e das pedras do Guincho onde me abrigava enquanto lia um livro e via o mar. Não tinha nada. Nem cintos, nem retrovisor, nem luz de marcha-atrás, nem conta-quilómetros, nem luz interior, velocímetro, nada. Mas nunca essas coisas me fizeram falta. Perdi a conta às vezes em que me disseram “mas a menina consegue conduzir isso?!”. Mas a menina conseguia. E fazia-o como mais ninguém. Porque nos entendíamos. Eu sei que era só um carro, mas era “o” carro. E no dia em que o vender sei também que vou chorar o resto das horas. Ou o resto da semana. Ou possivelmente o resto do ano. Porque sei que terei acabado de vender um amigo.


Nota: sabem que respeito as vossas opiniões e que gosto das conversas que surgem a seguir aos posts, mas como não posso correr o risco de receber mensagens a dizer para não vender o carro, a opção de comentários está desactivada apenas neste texto. Para palavras simpáticas, o e-mail do costume está sempre disponível. Obrigada pela compreensão.